No frenético mundo da política, parece que o roteiro de um novo episódio de Black Mirror se desenrola bem diante de nossos olhos. Quem seria capaz de imaginar que os congressistas americanos seriam subitamente transformados em alunos ávidos, com lápis na mão e olhos arregalados? O tema de estudo? Inteligência Artificial (IA). E quem são os professores? Ninguém menos que o exército de especialistas do Vale do Silício.
Quando o parlamentar Jerry McNerney assumiu o caucus (grupo de membros que se reúne para buscar objetivos legislativos comuns) dedicado à IA, em 2018, seus colegas de congresso se mostraram pouco entusiasmados, mantendo-se confortáveis na ignorância. As reuniões eram mais vazias do que um cartão de crédito depois da Black Friday. Só uma pequena fatia dos 435 membros fazia questão de comparecer.
Porém, como numa novela de reviravoltas, tudo mudou com o sucesso explosivo do ChatGPT alimentado por IA. Agora, todos correm desenfreadamente para redigir leis e entender o que raios essa “coisa” de IA realmente significa. O que antes era desinteresse, transformou-se num verdadeiro caos legislativo. Dragos Tudorache, o romeno responsável pelo trabalho de IA no Parlamento Europeu, sentiu a mudança no ar durante sua última visita a Washington. “Há um clima diferente”, disse em uma entrevista.
No entanto, a compreensão da tecnologia em rápida evolução requer uma sofisticação digna de um PhD em sistemas complexos, algo que parece assustar os legisladores. Para agravar a situação, os salários do Congresso americano, como observa o jornal The Washington Post em sua edição deste sábado (17), parecem gorjeta perto dos cheques astronômicos do Vale do Silício, dificultando a contratação de bons especialistas. Um verdadeiro drama digno de um Oscar, não acham?
Mas nem tudo está perdido! Os legisladores do Tio Sam aparentemente estão correndo contra o tempo, convocando até mesmo CEOs de grandes empresas para receberem uma espécie de curso intensivo sobre IA. Agora, imagine o CEO da Tesla, Elon Musk, tentando ensinar a esses congressistas a complexidade da IA, enquanto eles anotam febrilmente em bloquinhos.
A iniciativa, no entanto, abriu um debate sério e válido. Afinal, quem deve ditar as regras? O governo ou a indústria?
Enquanto os congressistas mais experientes tentam desesperadamente entender o que é um algoritmo, os recém-chegados ao mundo da política tecnológica se mostram surpreendentemente mais ágeis. Com os olhos arregalados e as mãos febrilmente anotando cada detalhe, eles se dedicam em absorver o máximo de informação possível. As lições passam por tópicos que variam desde aprendizado de máquina até como os algoritmos “tomam decisões”. Sim, a IA agora é um assunto do Congresso americano. E quem diria que eles aprenderiam tudo isso diretamente da fonte – no caso, de Silicon Valley.
Agora, tomando-se por base a informação do próprio The Washington Post, imagine por um momento, essa reunião hilária onde Sam Altman, CEO da OpenAI, demonstra a um grupo de congressistas atônitos como o ChatGPT, um modelo de linguagem avançado, poderia escrever um discurso para eles. Você consegue visualizar os rostos dos políticos quando a máquina começou a discorrer eloquentemente sobre economia, meio ambiente e segurança nacional? Verdade seja dita, um grupo de legisladores boquiabertos, especialmente quando a IA faz o trabalho deles melhor do que eles mesmos, não é algo que provavelmente vá se ver todo dia.
Entretanto, anote-se que existem também os céticos. O senador americano Ted Cruz, por exemplo, parece achar que seus colegas são um bando de dinossauros tecnológicos. “Para ser honesto, o Congresso não sabe o que diabos está fazendo nesta área”, disse Cruz, num tom que misturava desdém com uma pitada de diversão. “Esta é uma instituição [onde] acho que a idade média no Senado é de cerca de 142 anos. Este não é um grupo experiente em tecnologia.”
Não obstante, o Congresso está se esforçando para superar sua falta de conhecimento técnico. Afinal, quando o Vale do Silício chega até você, oferecendo aulas gratuitas de IA, quem em sã consciência recusaria? É, no mínimo, uma ironia deliciosa assistir, ainda que remotamente, a essa reviravolta. A turma do terno e gravata tentando entender o que é um neurônio artificial e a turma do jeans e tênis explicando como se controla uma IA. Pelo visto, temos muito o que aprender com essa nova temporada de Black Mirror.
Fonte: The Washington Post