Reportagem desta quinta-feira (1°), publicada pela agência de notícias Bloomberg, revela que uma grande startup de cuidados com idosos, chamada Papa, sediada em Miami (EUA), enfrenta um estudo sombrio sobre os perigos das plataformas de tecnologia, a partir de registros de incidentes perturbadores. Enquanto o chefe operacional do “US Public Health Service Commissioned Corps” (PHSCC), principal porta-voz para questões de saúde pública no governo federal dos Estados Unidos, alerta para uma “epidemia de solidão e isolamento”, especialmente entre os idosos, a Papa oferece um aplicativo para proporcionar companhia a essa população vulnerável. Seus “amigos”, contratados independentes, estão disponíveis para realizar tarefas leves, cuidar de recados e, principalmente, conversar com os idosos.
A premissa por trás da startup é a oferta de companhia sob demanda, uma ideia clássica da era tecnológica. Empresas icônicas do Vale do Silício, por exemplo, como o Facebook e o Instagram, prometem aproximar as pessoas, enquanto o Nextdoor (empresa americana que opera um serviço de rede social hiperlocal para bairro) oferece conexões mais próximas. Já TikTok e YouTube, por sua vez, como é de conhecimento público, proporcionam um universo de entretenimento infinito, gerado por milhões de usuários.
No entanto, como ocorre no mundo da tecnologia e em quase todas as áreas de interação social, as coisas podem se complicar quando seres humanos reais estão envolvidos. A história da Papa, de acordo com os registros de reclamações feitas no aplicativo, revela um cenário sombrio. Uma investigação da Bloomberg Businessweek, com base em mais de 1.000 reclamações de membros e trabalhadores da Papa, desvendou as consequências de enviar prestadores de serviços sem treinamento adequado para as casas dos idosos. Esses registros descrevem supostos incidentes que podem ser considerados pesadelos para familiares que buscam ajuda para seus entes queridos idosos: assédio sexual, agressão, roubo e muito mais.
Os trabalhadores da Papa também relatam suas próprias provações, como situações em que os idosos tentaram beijá-los ou acariciá-los, de acordo com as denúncias. Em um caso, uma “amiga” não foi avisada de que encontraria um jacaré no quintal. A empresa contesta as alegações de negligência com a segurança, afirmando que menos de 1% das reclamações recebidas estão relacionadas à segurança.
No final das contas, ao contratar prestadores de serviços independentes para cuidar de idosos, a barreira é muito menor do que aquela enfrentada pelos profissionais de saúde devidamente treinados, afirmou o médico Nirmal Patel, que trabalhou na multinacional americana diversificada de cuidados de saúde e bem-estar “United Healthcare” em esforços para melhorar o atendimento ao paciente por meio da tecnologia.
Embora fique claro que os Estados Unidos e o restante do mundo precisam de mais ideias e recursos dedicados ao combate à solidão, assistência médica domiciliar e apoio aos idosos, ainda não está claro o quanto a tecnologia pode ajudar, de fato, nesse contexto. “São interações humanas que acontecem. Esse é o produto”, diz Patel. “É preciso compreender quem é essa pessoa. Ela se importa? Ela é empática? Ela está verdadeiramente motivada a querer fazer esse tipo de trabalho? É muito diferente de entregar um hambúrguer com o Uber Eats”.
Os registros de incidentes perturbadores na startup Papa levantam questões importantes sobre a confiança depositada na tecnologia quando se trata de cuidados com idosos. Embora a empresa tenha como objetivo oferecer companhia e assistência aos idosos por meio de um aplicativo inovador, os relatos de assédio sexual, agressão e roubo lançam uma sombra sobre a promessa de conexão e cuidado.
Esses incidentes ressaltam, como reconhecem especialistas, a importância de abordar com cautela o uso da tecnologia em serviços de cuidados de saúde e assistência a terceira idade. Embora a conveniência e a eficiência proporcionadas por essas plataformas sejam atraentes, é crucial lembrar que está se lidando com seres humanos vulneráveis, que precisam de atenção e cuidado individualizado. Dito isto, é necessário rememorar que a barreira entre prestadores de serviços independentes e profissionais de saúde devidamente treinados é evidente. A falta de treinamento adequado e a seleção criteriosa de contratados independentes podem levar, como demonstrado na reportagem, a situações desagradáveis e até mesmo perigosas para os idosos e suas famílias.
À medida que a sociedade enfrenta o envelhecimento da população, é fundamental investir em ideias e recursos que atendam às necessidades dos idosos de forma adequada e segura. A tecnologia pode desempenhar um papel importante nesse processo, mas apenas se for usada com responsabilidade e em conjunto com o cuidado humano adequado. Sob este ponto de vista, o caso da startup Papa serve como um alerta para a necessidade de um maior escrutínio e regulamentação nessa área.
Fonte: Bloomberg