Silent Hill f é o jogo mais recente da tão aclamada série de survival horror da Konami. Nele acompanhamos a jornada horripilante, mas bela, de Hinako Shimizu, uma jovem adolescente que vive na pacata cidade rural de Ebisugaoka, no interior do Japão na década de 60. Após a névoa invadir a cidade, Hinako e seus amigos devem sobreviver aos horrores que a névoa trás, ao mesmo tempo que devem participar de uma jornada introspectiva, que é clássica da franquia.
O jogo tenta resgatar elementos clássicos da franquia ao mesmo tempo que busca modernizar não só os gráficos, mas a gameplay e a forma de contar sua história. Mas então será se a NeoBards, uma empresa que tinha feito apenas ports e jogos online, Al Yang, do diretor do game que aparentemente é apaixonado pela franquia, e Ryukishi07, o roteirista conhecido por suas novels enigmáticas, entregaram um produto digno de ser chamado de Silent Hill? Você confere na análise de hoje.
Performance e Gráficos
Eu decidi começar falando da performance e dos gráficos, já que eu vou me estender bastante em gameplay e história. O jogo é extremamente bonito, em todos os aspectos. A direção de arte nos entregou um prato cheio, com um design de criaturas excepcional feita por “kera” e um ambiente terrivelmente lindo e assustador, que captura perfeitamente a essência da cultura e folclore japonês. São templos antigos, estátuas de deuses, monstros que lembram as lendas urbanas do país. Tudo isso contribui para um jogo fenomenalmente bonito e com identidade visual única, mas que também não se distancia tanto do cerne de Silent Hill.
A performance também é algo a ser elogiado, já que esse jogo é EXTREMAMENTE bem otimizado. Minha gameplay foi inteira no PC e devo dizer que fiquei positivamente surpreso, já que durante toda a jogatina, ele praticamente não deu NENHUM travamento, não crashou e nem deu stuttering, e olha que eu estava o tempo todo transmitindo o jogo em uma chamada do discord, então meus parabéns a equipe da NeoBards pelo excelente trabalho tanto na direção de arte quanto na otimização.
Houveram relatos de que o jogo estava um pouco mal otimizado nos consoles, chegando a cair frames principalmente no terceiro ato da história, então é algo a se atentar, porém, pode ser facilmente resolvido com patches de correção e talvez um já tenha saído quanto você estiver lendo essa review.



Enredo e História
Falando agora do ponto mais forte do jogo, ao meu ver: a história. Ela é centrada em Hinako Shimizu, uma adolescente melancólica e claramente com problemas mentais. Seguindo a tradição de Silent Hill, a névoa invade a cidade e coisas bizarras começam a acontecer. Mas, claro, nem tudo é tão simples, já que aqui temos algumas mensagens extremamente pesadas durante a narrativa e não é à toa o aviso gigantesco no começo do jogo e na página dele na Steam.
Essa história não é para os fracos de coração e lida com temas pesadíssimos, como discriminação de gênero, abuso infantil, bullying, alucinações provocadas por drogas, tortura e violência explícita. O roteirista Ryukishi07, em uma entrevista, afirmou que, desde o início, sabia que a protagonista de Silent Hill f seria uma mulher, pois, segundo ele, as mulheres são as que mais sofrem em nossa sociedade, e, caramba, esse cara não estava brincando. Aqui, Hinako vai “comer o pão que o diabo amassou” em todos os sentidos, durante todo o jogo.
Os personagens secundários dessa obra também são cheios de problemas, e não me refiro a eles serem mal escritos, muito pelo contrário. Eles são extremamente bem construídos, mas carregam problemas reais, que precisam ser resolvidos ou explorados.
O melhor exemplo disso é a ex-melhor amiga de Hinako, Rinko, uma menina obsessiva e possessiva, perdidamente apaixonada pelo melhor amigo de Hinako, Shu. Essa obsessão chega a níveis tão extremos que se transforma em um ciúme doentio, culminando em um ato que me deixou com raiva dessa maldita personagem até agora.
Outro exemplo é a inocente Sakuko, que tinha seus problemas completamente ignorados pela mãe e entre eles, as vozes que ouvia em sua cabeça. O que torna tudo ainda mais preocupante é o fato de ela vir de uma família extremamente religiosa. E, nesse universo, sabemos que ouvir vozes nunca é um bom sinal.
Apesar de confusa do meio para o fim, a história é bastante profunda. Porém, algo nela me incomoda bastante: o fato de você estar preso a apenas um final no início da jogatina. Não importa o que você faça, na primeira run, você não tem escolha. E, pessoalmente, não sou muito fã dessa decisão de trancar o final verdadeiro da história atrás de uma segunda zerada.
Apesar de nenhum Silent Hill ter um final realmente canônico, ao menos era possível alcançar mais de um desfecho já na primeira jogada, o que não é o caso aqui. E isso, sinceramente, me deixou bastante frustrado.
Mesmo essa história tendo muita profundidade e abordando diversos subtemas, sinto que, às vezes, ela se perde em si mesma ao tentar ser enigmática demais. Há alegorias que parecem fora de lugar, ou momentos que existem apenas para chocar, sem contribuir de fato para o avanço da narrativa.
Não cheguei a consumir nenhuma das outras obras de Ryukishi07, mas, pelo que me disseram, é uma marca registrada do autor tentar chocar o leitor, espectador ou jogador a todo custo.
E o curioso é que nem sempre a história do jogo é confusa e às vezes, ela sente a necessidade de escancarar o tema que está tentando criticar, como se quisesse ter certeza de que o jogador está entendendo a mensagem.
Gameplay
Primeiro, vamos comentar sobre a exploração, que, sinceramente, é o ponto alto do jogo. Temos um mapa incrível, marca registrada da série, no qual podemos marcar portas que não podem ser abertas ou que estão trancadas e serão acessíveis mais adiante. A exploração das áreas é extremamente satisfatória, oferecendo um verdadeiro senso de recompensa para quem decide vasculhar cada esquina da cidade de Ebisugaoka. Isso fica ainda mais evidente no New Game+, onde encontramos os requisitos necessários para destravar os outros finais do game.
Os enigmas também merecem destaque, sendo outro ponto alto da experiência. Joguei no modo mais difícil e devo dizer que não fiquei travado em nenhum dos quebra-cabeças. Ainda assim, alguns exigem um certo conhecimento externo para serem solucionados, mas nada que uma rápida pesquisa no Google não resolva.
Esses são, sem dúvida, os pontos positivos da gameplay.
Agora, se prepare, porque é aqui que começa a chuva de negatividade que eu tenho em relação a este título.
O combate… o que falar do combate desse jogo? Ele é tenebrosamente ruim. Mas ruim em níveis catastróficos, e foi, sem dúvida, o que mais me enfureceu durante a jogatina.
Você pode ter ouvido por aí que ele é um “soulslike”, mas não, ele não tem absolutamente nada de soulslike. É apenas um combate em terceira pessoa focado em armas corpo a corpo, com uma mecânica de esquiva e uma barra de stamina. Não há nenhum tipo de rolamento, o que já limita bastante o dinamismo.
Eu, como um bom gamer orgulhoso e teimoso, cometi o erro de colocar na dificuldade “difícil” logo na primeira jogatina, e devo dizer que foi a pior escolha possível. O jogo se distancia dos títulos clássicos da franquia pela falta de opções no combate, já que você está limitado a somente armas corpo a corpo. E prepare-se: você vai passar por muitas sessões de combate obrigatório, nas quais precisa derrotar todos os inimigos para progredir.
Essa decisão é simplesmente absurda, pois em nenhum outro Silent Hill, tirando as lutas contra chefes, o jogo obrigava o jogador a engajar tanto no combate. Essa mudança mata parte do espírito da série.
E, para piorar, algo que retorna de Silent Hill: Origins é a durabilidade das armas, uma escolha que eu realmente considero estúpida. Ninguém gostava disso nos antigos, então por que trazer de volta justo agora? Isso não faz o menor sentido e apenas torna os encontros obrigatórios com inimigos ainda mais frustrantes.
Os próprios inimigos são uma aberração de design, com grabs que duram uma eternidade, combos que drenam quase toda a vida e animações mal telegrafadas, tornando difícil reagir a tempo.
Também vale mencionar que o jogo foi feito na Unreal Engine 5, e, por conta disso, a aberração cromática padrão da engine acaba atrapalhando a leitura dos ataques inimigos. A dica visual para o aparo (parry) se perde completamente no meio da poluição visual. Então, se pretende dominar o combate, prepare os olhos, porque você vai precisar deles afiados.
Outro ponto completamente desnecessário são os elementos de RPG presentes, como upgrades de vida, stamina e sanidade, além dos slots de amuletos que podem ser trocados para alterar a sua “build”. Mecânicas como essas não pertencem à franquia, e, na verdade, não pertencem a nenhum survival horror.
Pode parecer algo simples, mas, em um jogo com foco tão grande no combate, essas adições acabam sendo frustrantes e se tornam apenas mais uma preocupação durante a jogatina. Elas simplesmente não deveriam estar aqui, ponto final.
Caso a NeoBards volte a trabalhar com a franquia após este jogo, esses são aspectos que precisam ser discutidos, já que causaram muita divisão entre os jogadores. Na minha opinião, esses elementos não têm lugar em jogos de terror, pois desviam a atenção do que realmente importa: a tensão psicológica e o clima de horror que definem Silent Hill.




Trilha Sonora
Akira Yamaoka faz seu retorno triunfante à franquia, embora tenha composto apenas o tema principal, ouvido no primeiro trailer, e a trilha sonora do Overworld. O restante da trilha fica a cargo de Kensuke Inage, responsável pelas músicas do Otherworld (aqui chamado de Dark Shrine), além dos compositores Dai e Xaki. Todos eles entregaram um trabalho espetacular.
Você sente que o cerne da franquia ainda está presente na trilha sonora, graças à participação de Yamaoka, mas também percebe a modernização e o sopro de ar fresco que os novos compositores trouxeram às músicas. As faixas capturam com perfeição o clima dos anos 60 no Japão rural, utilizando diversos instrumentos tradicionais orientais que reforçam a atmosfera única do jogo.
O tema dos créditos iniciais foi o que mais me chamou a atenção. Intitulado “Mayoi Uta”, ele reflete o tema central que permeia toda a narrativa: a representação e o sofrimento das mulheres na sociedade.
Atuação
O voice acting deste jogo merece uma seção separada nesta review, pois, meus amigos, que casting excepcional, tanto em inglês quanto em japonês.
Minha Silent Hill
Silent Hill pra mim é uma franquia mais do que especial. É uma daquelas séries que eu sempre conhecia ou ouvia falar, mas nunca havia jogado, seja por falta de oportunidade, já que os jogos antigos não estão disponíveis nos consoles modernos, ou pela falta de um PC para eventual emulação.
Foi em 2021, com um PlayStation 2 meu que eu achava que tinha morrido, que eu finalmente joguei toda a quadrilogia original. E devo dizer: foi amor à primeira vista. Em uma tacada só, durante um mês, eu devorei os quatro jogos da Team Silent, e meu gosto por terror e até minha franquia de jogos favorita mudaram completamente. Silent Hill virou um traço da minha personalidade e conseguiu aumentar ainda mais o meu amor por jogos de terror em geral. Tudo isso se deve ao carinho e à estética icônica que a série tinha na era do PlayStation 2.
Confesso que nunca zerei nenhum Silent Hill que não tenha sido feito pelo lendário time da Team Silent, mas já joguei alguns, como o tão conhecido Silent Hill: Origins e o Homecoming.
Silent Hill f foi uma experiência única pra mim, tanto como fã quanto como jogador. Foi algo que eu não consegui digerir de primeira por causa dos temas pesados e também algo que eu não acreditava estar jogando, depois de tanto tempo sem uma nova entrada principal na franquia. Eu sei, eu sei, Silent Hill 2 Remake saiu ano passado e temos vários outros projetos anunciados, mas eu não estava acreditando que realmente estava jogando um jogo da linha principal da minha franquia favorita. Depois de tanto tempo sem um novo título, lá estava eu, parado na tela de menu por uns cinco a dez minutos, sem acreditar que algo assim realmente estava acontecendo. Foi um momento muito mágico.
Apesar das minhas duras críticas à gameplay, eu consegui gostar da minha experiência com o jogo no geral. Os pontos positivos se sobressaem aos negativos e, no final, tornam toda a jogatina muito boa, principalmente para os fãs da franquia. Se eu, que conheci de verdade Silent Hill apenas em 2021, fiquei tão emocionado com o lançamento do novo game, imagine quem espera por algo da série desde 2012, com Silent Hill: Downpour.
- Jogo disponibilizado pela Konami Brasil
Silent Hill f
Apesar de várias reclamações minhas em relação ao gameplay, ainda acho Silent Hill f uma experiência bem sólida do começo ao fim. Algumas mecânicas realmente fazem você questionar as escolhas da equipe em relação a certos aspectos, mas elas acabam sendo sobrepostas por todos os outros pontos positivos que citei ao longo da análise.
Silent Hill f é um jogo ousado. Ousado nos temas que aborda, ousado em suas escolhas questionáveis de gameplay e ousado por ter confiado o “futuro” da franquia a uma empresa que nunca havia produzido um jogo AAA antes. Mas devo dizer que foi um acerto em cheio da NeoBards, e agora é hora de dar flores a Al Yang, pois ele realmente entendeu o que é Silent Hill.
Tivemos aqui um jogo que acerta bem em tudo o que faz Silent Hill ser Silent Hill, mas que infelizmente peca bastante em mecânicas que nem deveriam estar na franquia, e nem no gênero, de forma alguma. No mais, ele ainda se prova um excelente jogo, que até mesmo quem não é familiarizado com a série conseguirá apreciar pelo que é oferecido durante a experiência.
O futuro da franquia parece extremamente promissor, já que tivemos dois grandes acertos recentemente com Silent Hill 2 e Silent Hill f. Me mantenho curioso e otimista com a direção que a série está tomando e espero que continuem acertando, principalmente com Silent Hill Townfall, um título que me chamou muita atenção desde o momento do seu anúncio e que espero ver chegar até nós muito em breve.
