Entre os personagens fascinantes e complexos de Watchmen, criado por Alan Moore e Dave Gibbons, Edward Morgan Blake, conhecido como o Comediante, emerge como uma das figuras mais enigmáticas e controversas. Ele é mais do que um vigilante; é uma metáfora viva das contradições e da brutalidade da natureza humana, trazendo à tona questões morais difíceis de ignorar.
As origens de Edward Morgan Blake
O Comediante apareceu pela primeira vez na graphic novel Watchmen, publicada pela DC Comics em 1986. Antes de adotar esse codinome, Edward Blake já demonstrava uma tendência para a violência. Sua carreira como vigilante começou ainda na juventude, nos anos 1940, quando ingressou nos Minutemen, um grupo de heróis mascarados. Blake, porém, nunca compartilhou o idealismo que movia seus colegas.
Desde o início, Blake se diferenciava por sua visão cínica do mundo e por suas ações implacáveis. Ele via a vida como uma piada cruel, e sua abordagem pragmática (e muitas vezes sádica) o levou a cometer atos moralmente questionáveis, como o abuso sexual de sua colega Sally Jupiter, a primeira Espectral. Apesar desse episódio abominável, Sally, em um paradoxo emocional, eventualmente desenvolveu sentimentos contraditórios por ele, o que resultou no nascimento de Laurie Juspeczyk, a segunda Espectral.
O homem por trás da máscara
Edward Blake é o arquétipo do anti-herói em sua forma mais brutal. Ao contrário de outros vigilantes, que lutam por justiça ou redenção, ele enxergava o mundo como um lugar corrupto e sem esperança, abraçando o caos e a violência como ferramentas. Esse niilismo influenciou cada aspecto de sua vida e carreira. O Comediante atuou como agente do governo dos Estados Unidos durante décadas, servindo em guerras como a do Vietnã e realizando operações clandestinas.
Nos campos de batalha, Blake personificava o “lado sombrio” da humanidade. Um exemplo disso é sua participação no Vietnã, onde cometeu atrocidades sem remorso. Uma cena marcante em Watchmen mostra Blake assassinando uma mulher vietnamita grávida que o confrontou. Esses atos não eram apenas demonstrações de crueldade; eles simbolizavam a perda de humanidade em um mundo marcado pela guerra e pela violência sistêmica.
O Comediante e a filosofia de Watchmen
Em Watchmen, Blake é a representação da hipocrisia e do cinismo que permeiam as instituições. Sua filosofia, embora moralmente distorcida, é uma crítica aos sistemas políticos e sociais. Ele acredita que a própria existência é uma piada cósmica, e suas ações extremas servem como reflexo dessa visão. Essa perspectiva é reforçada em um dos momentos mais impactantes da história: a revelação de que ele descobriu o plano de Ozymandias para criar uma falsa ameaça alienígena e unificar o mundo. Apesar de seu niilismo, Blake ficou devastado com a ideia de sacrificar milhões para salvar bilhões, evidenciando um fragmento de humanidade enterrado sob sua fachada cínica.
O assassinato de Edward Blake, que ocorre no início de Watchmen, serve como o ponto de partida para toda a trama. Sua morte misteriosa leva Rorschach a investigar uma possível conspiração contra os vigilantes aposentados, desencadeando uma série de eventos que revelam a complexidade moral do mundo de Watchmen.
Mesmo após sua morte, o Comediante continua a impactar os personagens e a narrativa. Suas ações passadas e sua filosofia de vida são constantemente revisitadas, forçando os outros heróis a confrontar suas próprias crenças. Laurie Juspeczyk, em particular, enfrenta um conflito interno ao descobrir a verdade sobre sua origem, causada por Blake.
O Comediante não é um vilão clássico, mas também está longe de ser considerado um herói. Ele está em algum lugar entre os dois extremos, refletindo o lado mais sombrio da humanidade. Sua complexidade reside em sua capacidade de ser, simultaneamente, desprezível e trágico. Edward Blake era consciente de suas falhas e abraçava sua natureza, acreditando que sua visão cínica era a única verdadeira.